quinta-feira, 9 de abril de 2015

Linguagem de Signos, Linguagem do Coração



O meu nome é Simão e hoje quero contar-vos a história da minha vida, para que aprendais com ela e respeiteis todas as pessoas, sejam quais forem as suas condições físicas e emocionais. Eu tenho doze anos e nasci com um problema nos ouvidos, sou surdo… os meus pais, irmãos e restantes membros da minha família sempre cuidaram de mim, ajudaram-me e ensinaram-me da melhor forma, para que nada me passe despercebido. Eles adaptaram-se a mim, esforçando-se muito com todo o amor. Aprendi a ser feliz no seio da minha família e a escutar com o meu corpo, cada vez que alguém emite um som sinto um formigueiro, todas as cócegas que sinto no corpo são diferentes, segundo o tipo de som que foi emitido, ou quem me fala.

O papá explicou-me que essas “cócegas” que sinto se chamam ondas sonoras, que é aquilo que se produz quando me falam, ou há algum som à minha volta. Os meus pais levam-me a muitos lugares onde posso interagir com diferentes sons, para que possa conhecer o mundo e sentir essas cócegas. Os meus lugares favoritos são o jardim zoológico e a baía dos golfinhos. No jardim zoológico há muitos animais. Eu conheço-os a todos porque em casa tenho muitos livros com imagens de animais e os seus nomes. Por isso visitá-los faz-me sentir mais próximo dos meus amigos do reino animal. A baía dos golfinhos também é muito especial… fica muito perto da minha casa e todos os dias podemos ver os golfinhos a brincar. A maioria das vezes aproximam-se e brincam carinhosamente… e assim produzem cócegas nas minhas orelhas. Eles são os únicos que produzem esta sensação. Às vezes penso que a qualquer momento voltarei a ouvir. O papá e a mamã compram-me livros didáticos para que aprenda a entender tudo o que se passa no mundo e para que tenha belas aventuras dentro do mundo da fantasia.

O meu pai sempre passou muitas horas comigo, mesmo quando eu era muito pequeno, ensinando-me o abecedário em linguagem gestual e desse modo, ainda que não conseguisse escutar, podia falar com a minha voz ou com as minhas mãos e as outras pessoas podiam responder-me escrevendo, deixando-me ler os seus lábios ou escrevendo com a linguagem das mãos.

Todas as noites, quando me deitava, pensava que este meio de comunicação é muito importante, mas não apenas para mim, que posso comunicar com outras pessoas com a mesma característica que eu. Também para essas pessoas é muito importante e claro que para as pessoas que não são surdas é ainda mais importante! A linguagem gestual para mim é um idioma igual ao inglês ou português, por isso estudo-a com muito carinho e atenção.

Os lábios das pessoas sempre me chamaram muito a atenção, a forma como se movem quando produzem sons, por isso, depois de aprender as letras, foi muito divertido e fácil ler os lábios para saber o que me diziam. Não posso escutar com os meus ouvidos, mas consigo sentir e ver tudo, e gosto de guardar no meu coração cada momento que vivo. Ser surdo ajudou-me a aprender a desfrutar de todas as pessoas e momentos da minha vida. Tudo me faz sentir muito sortudo e feliz.

Tudo isto mudou quando entrei para o colégio e iniciei a minha educação primária. Os outros meninos tratavam-me de forma diferente por ser surdo. Excluíam-me, não me deixavam brincar com eles e tratavam-me como se eu fosse tonto, como se o fato de eu não poder ouvir me impedisse de fazer as mesmas coisas que eles. Não me sentia bem com isso então passava os intervalos sozinho, num banco ou nos balanços. Sentia-me muito triste, não tinha feito nada aos outros meninos para que me tratassem assim. Durante as aulas tentava não me distrair com nada, para aprender o máximo possível, mesmo que às vezes isso fosse difícil pois sentia-me muito triste. Na minha turma tinha um menino que me tratava bem e que me observava muito, mas que poucas vezes se aproximava de mim porque tinha medo que os outros meninos se rissem dele, por estar comigo. A professora tentava que todos socializassem comigo, mas essa era uma tarefa complicada, os outros meninos não colaboravam, exceto a Maria, uma das meninas mais inteligentes da turma.

Pensei levar algum dos meus contos de casa, para que o recreio fosse mais entretido. Refleti sobre eles e decidi que o melhor seria levar o meu livro do abecedário da linguagem gestual para praticar, com a esperança de que seria mais fácil comunicar com pessoas surdas, seguramente que elas nunca me excluiriam.

Num dos intervalos, enquanto eu praticava com muita concentração, e atenção no que estava a fazer, a Maria e o Miguel aproximaram-se de mim com a curiosidade de saber o que é que eu estava a fazer. Sentaram-se comigo e expliquei-lhes que esse é o idioma que a comunidade surda utiliza para falar uns com os outros e entender-se corretamente. Uauuuu!!!! A eles pareceu-lhes incrivelmente bonito. Ensinei-lhes algumas expressões como “bom dia” e como soletrar os seus nomes. Foi um momento divertido, não parávamos de rir… A partir desse dia deixei de passar os intervalos sozinho e triste porque brincava com a Maria e o Miguel e tornamo-nos os melhores amigos. Nalguns intervalos eu continuei a ensinar-lhes o que aprendia em casa, com o meu pai, no meu idioma especial. A professora olhava-nos, muito feliz, em todos os intervalos porque eu sorria e me sentia mais integrado.

A Maria e o Miguel defendiam-me sempre, quando os outros meninos tentavam que eu me sentisse estranho. Então a nossa professora teve uma ideia muito boa, que me fez sentir muito especial: deu-nos uma pequena aula sobre o que é ser surdo e também sobre a nossa linguagem. Os meninos escutaram com atenção e muito respeito, porque se a professora falava disso, e a Maria e o Miguel eram os meus melhores amigos, não podia ser assim tão mau… Depois desta conversa a professora decidiu que, todas as semanas, durante uma hora, nos ensinaria o abecedário desta linguagem e, de vez em quando, convidava alguma pessoa surda, de uma instituição muito próxima da escola, que nos ensinava muitas coisas. Os meus colegas começaram a tratar-me com normalidade e a convidar-me para as suas brincadeiras. O diretor da escola ficou muito feliz com a iniciativa da professora, por isso começaram a ensinar a linguagem gestual também noutras turmas.

Gosto muito de ir às aulas e aprender coisas sobre o mundo. Ser surdo não é uma deficiência pela qual tenhamos que ser tratados de forma diferente. Ser surdo é uma característica que nos converte em pessoas muito especiais, sensíveis e com a capacidade de escutar tudo com o coração.


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